terça-feira, 7 de outubro de 2014

EDUARDO DALL’ALBA vitrola PAULO RIBEIRO O PASSO DO SOCORRO


          O fato de fazer teatro proporcionou uma relação particular com o texto. O fato de o texto ser recitado, declamado exige atenção à idéia expressa, no ritmo, no tom. Cedo entendi que há um grande número de escritores de fabulosa criatividade e produtividade. Há em número pequeno os gênios como William Shakespeare e Dante Alighieri. Desta constatação decidi deixar de lado meus escritos e dedicar atenção a representação. Primeira leitura. Segunda leitura. Leitura em voz. Leitura branca. Pausa. Leitura mental. Texto decorado. O texto no corpo, na voz. Um ator, um corpo? Sarau.
         Em noventa e dois me tornei filho de Calíope. Em noventa e três recitava no Centro de Convivência da UCS.  Olmiro de Azevedo, Vivita Cartier, Augusto dos Anjos e Carlos Drummond de Andrade. Se o teatro me levou até a poesia. A poesia me levou aos poetas. Enquanto recitava Drummond um jovem sentado à minha frente repetia cada palavra. Era Eduardo Dall’Alba. Conversamos sobre poesia, escritores, ele disse: vou te apresentar o novo que veio para ficar. Fomos até a livraria local ele colocou em minhas mãos um exemplar de Vitrola dos Ausentes de Paulo Ribeiro.
Leio alguns dias depois. “O Ataliba, com sua esponja branca, divertia-se com o rincho das éguas no tempo da lavagem dos ventres. As persianas duplas dos janelões eram fechadas para uma grávida prima do Belpino não ver nada. Zoinho, quando tinha tempo, era o ajudante do Ataliba. Os meninos pelados relinchavam com a boca, montados num cavalinho de pau-de-vassoura. A rua tinha fileira de ciprestes dos dois lados, até onde ficava o velho carvalho ao lado da igrejinha. O Belé Fonseca — de pés inchados — bebe cachaça. Um dia o Belé Fonseca estava cercado de gente e o Belé Fonseca deitado no chão. Cercado duns caras e dumas mulher que também tinham bebido muito. Gritava que tinham lhe roubado umas tal madeira e que ele tinha testemunhas. O Abgelo das verduras não podia mais testemunhar porque estava envolvido num crime. Tinha matado a Pretenciosa por causa de umas alfaces.”        
As vozes da Vitrola ecoaram. Em dois mil e cinco quando inaugura a Do Arco da Velha vamos recitar as vozes da segunda edição. “Faz a mulher estrebuchar miseravelmente. Apanha com as duas mãos firmes em volta do pescoço dela. Espalha seu corpo na laje fria do banheiro. O direito dessa mulher estar ali estendida na laje fria do banheiro sendo violada. A dor. A dor vermelha das marcas do seu corpo. Entre o corpo e a laje não há nada. Nem o frio.
Novo dia, outra crônica. A arte longa, a sala vazia. Outros tempos novos livros. Quando cai a neve no Brasil. As luas que fisgam o peixe. O TAL EROS SÓ. Agora um novo passo.    
Como percebi em mim uma tendência para complicar alguns aspectos da vida peço socorro a Shakespeare. Sobre o Ato de representar: Que a discrição te sirva de guia: acomoda o gesto à palavra e a palavra ao gesto, tende sempre em mira não ultrapassar a modéstia da natureza, porque o exagero é o contrario aos propósitos da representação, cuja finalidade sempre foi e continuará sendo, como que apresentar o espelho à natureza, mostrar à virtude suas próprias feições, à ignomínia sua imagem e ao corpo e idade do tempo a impressão de sua forma. O exagero ou o descuido, no ato de representar, pode provocar riso aos ignorantes, mas causam enfado às pessoas judiciosas, cuja censura deve pesar mais em tua apreciação do que os aplausos de quantos enchem o teatro. Hamlet Ato III – Cena II.   




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