O fato de fazer teatro
proporcionou uma relação particular com o texto. O fato de o texto ser
recitado, declamado exige atenção à idéia expressa, no ritmo, no tom. Cedo entendi
que há um grande número de escritores de fabulosa criatividade e produtividade. Há em
número pequeno os gênios como William Shakespeare e Dante Alighieri. Desta constatação
decidi deixar de lado meus escritos e dedicar atenção a representação. Primeira
leitura. Segunda leitura. Leitura em voz. Leitura branca. Pausa. Leitura
mental. Texto decorado. O texto no corpo, na voz. Um ator, um corpo? Sarau.
Em
noventa e dois me tornei filho de Calíope. Em noventa e três recitava no Centro
de Convivência da UCS. Olmiro de
Azevedo, Vivita Cartier, Augusto dos Anjos e Carlos Drummond de Andrade. Se o
teatro me levou até a poesia. A poesia me levou aos poetas. Enquanto recitava
Drummond um jovem sentado à minha frente repetia cada palavra. Era Eduardo Dall’Alba.
Conversamos sobre poesia, escritores, ele disse: vou te apresentar o novo que
veio para ficar. Fomos até a livraria local ele colocou em minhas mãos um
exemplar de Vitrola dos Ausentes de Paulo Ribeiro.
Leio
alguns dias depois. “O Ataliba, com sua esponja
branca, divertia-se com o rincho das éguas no tempo da lavagem dos ventres. As
persianas duplas dos janelões eram fechadas para uma grávida prima do Belpino
não ver nada. Zoinho, quando tinha tempo, era o ajudante do Ataliba. Os meninos
pelados relinchavam com a boca, montados num cavalinho de pau-de-vassoura. A
rua tinha fileira de ciprestes dos dois lados, até onde ficava o velho carvalho
ao lado da igrejinha. O Belé Fonseca — de pés inchados — bebe cachaça. Um dia o
Belé Fonseca estava cercado de gente e o Belé Fonseca deitado no chão. Cercado
duns caras e dumas mulher que também tinham bebido muito. Gritava que tinham
lhe roubado umas tal madeira e que ele tinha testemunhas. O Abgelo das verduras
não podia mais testemunhar porque estava envolvido num crime. Tinha matado a
Pretenciosa por causa de umas alfaces.”
As vozes
da Vitrola ecoaram. Em dois mil e cinco quando inaugura a Do Arco da Velha vamos
recitar as vozes da segunda edição. “Faz
a mulher estrebuchar miseravelmente. Apanha com as duas mãos firmes em volta do
pescoço dela. Espalha seu corpo na laje fria do banheiro. O direito dessa
mulher estar ali estendida na laje fria do banheiro sendo violada. A dor. A dor
vermelha das marcas do seu corpo. Entre o corpo e a laje não há nada. Nem o
frio.
Novo dia,
outra crônica. A
arte longa, a sala vazia. Outros tempos novos livros. Quando cai a neve no Brasil.
As luas que fisgam o peixe. O TAL EROS SÓ. Agora um novo passo.
Como percebi
em mim uma tendência para complicar alguns aspectos da vida peço socorro a Shakespeare. Sobre o Ato
de representar: Que a discrição te sirva de guia: acomoda o gesto à palavra e a
palavra ao gesto, tende sempre em mira não ultrapassar a modéstia da natureza,
porque o exagero é o contrario aos propósitos da representação, cuja finalidade
sempre foi e continuará sendo, como que apresentar o espelho à natureza,
mostrar à virtude suas próprias feições, à ignomínia sua imagem e ao corpo e
idade do tempo a impressão de sua forma. O exagero ou o descuido, no ato de
representar, pode provocar riso aos ignorantes, mas causam enfado às pessoas
judiciosas, cuja censura deve pesar mais em tua apreciação do que os aplausos
de quantos enchem o teatro. Hamlet Ato
III – Cena II.
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