quarta-feira, 13 de novembro de 2019

Arte - Territórios e Fronteiras



No dia 21 de abril de 2020 os artistas articulados no projeto Arte,
Territórios e Fronteiras A. T & F, vai realizar a performance Mulher
Guerreira em ambiente público e aberto.


A performance Mulher Guerreira celebra o feminino homenageando mulheres importantes para os participantes do A.T & F.
A performance reflete possibilidades como: e se São Jorge fosse mulher? E se fosse possível eliminar um mal no mundo, qual seria?
Como processo os artistas usam o círculo de dialogo (roda de conversa), enquanto metodologia de trocas.
Até abril serão várias trocas e rodas:

O caminho
Roda de Poesia; Roda de Amigos, Roda de chimarrão, Cantiga de Roda, Samba de Roda, Dança de Roda. Vem para a roda traz teu verso, teu instrumento, corpo. Encanto!  No canto, no entanto seremos redondos.          
            A roda transmite de maneira amplificada para o eixo de rotação qualquer força aplicada na sua borda, reduzindo a transmissão tanto da velocidade quanto da distância que foram aplicadas. Similarmente, a roda transmite de maneira reduzida para a borda qualquer força aplicada no seu eixo de rotação, amplificando a transmissão tanto da velocidade quanto da distância que foram aplicadas.


A oração
Eu andarei vestido e armado, com as roupas de São Jorge. Para que meus inimigos tendo pés não me alcancem, tendo mãos não me peguem, tendo olhos não me enxerguem e nem pensamentos eles possam ter, para me fazerem mal. Armas de fogo o meu corpo não alcançarão, facas e lanças se quebrarão sem ao meu corpo chegar, cordas e correntes se arrebentarão sem o meu corpo amarrarem.
Recebi como herança cultural o nome de JORGE. Então salve Jorge!

O veículo – o feminino
“Para a consciência feminina, o espiritual e o físico são dois aspectos de uma totalidade. O espírito confirma o corpo, articula a sabedoria corporal. O espírito é imediato e factual, não algo a que se chega, como em Platão, por meio de uma ascensão dialética. “Tal como acima, abaixo” traduz-se em “Tal como na cabeça, no ventre”. Ambos estão simultaneamente presentes, não em oposição dialógica. O paradoxo desta presença simultânea – o plexo solar na cabeça e a cabeça no plexo solar – resiste à lógica da prosa, e requer os saltos elípticos da poesia que as metáforas tentam abranger. Em minha introdução ao livro A Virgem
Grávida
denominei esse paradoxo de conjunções batráquias, pensando em sapos saltando entre os nenúfares de folha em folha.
A metáfora é a linguagem da alma. Por meio de uma imagem física, a metáfora revela uma verdade ou condição espiritual.” Marion
Woodman

Por que Mulher Guerreira?
Mitologia
Ártemis e Apolo: os gêmeos


Ártemis e seu irmão gêmeo Apolo eram ambos arqueiros. O arco e as pontas das flechas de Apolo eram de ouro e ele era o deus do sol dourado. As armas de Ártemis (Diana para os romanos), eram de prata, como sua lua prateada. Ártemis era a gêmea mais velha e foi ela quem, segundo Homero, ensinou a Apolo o uso do arco. Ambos atiravam de longe suas setas invisíveis e infalíveis, que causam morte imediata e indolor. Os dois eram cultuados por sua pureza e famosos por sua distancia, por não se deixarem abordar, por desaparecer (ela no meio da mata, ele no misterioso reino dos hiperbóreos).



quarta-feira, 27 de março de 2019

Dionísio! Que deusa é voce?

DIONISO! QUE DEUSA É VOCE?
           
Dionísio se destaca de todas as outras divindades gregas. Ele não é um dos olímpicos, pois apareceu no cenário grego em uma data tardia; tão pouco é ele uma das antigas deusas como Ananke ou as Moiras. O fato é que Dionísio é uma realidade nele mesmo, ou talvez devêssemos dizer “nela mesma”, pois nada a respeito de Dionísio é firme e claro, inclusive sua sexualidade. Às vezes Dionísio parece masculino; outras vezes suas características femininas emergem com tanta intensidade que nos perguntamos se o deus é mais homem ou mulher.
Em conformidade com sua complexa natureza, Dionísio recebeu muitos epítetos. Ele era chamado purigetes, “o nascido do fogo,” sukites, “o da figueira,” polygethes, “o cheio de alegria,” e kissodomos, “o da coroa de hera.” Ele era dendritos, “o deus da árvore,” gunaimanes, “o inspirador das mulheres exaltadas,” e também era conhecido como phales, “o amigo do falo,” por razões que analisaremos mais tarde. Além do seu nome básico Dionísio, cuja derivação é incerta, ele também era chamado Bromios, que significa pomposo ou turbulento, e tinha o nome místico Iaco. Em Metamorfose, o poeta latino Ovídio relaciona oito nomes para esse deus de múltiplas facetas.
Dionísio era um modificador da forma, um deus que podia aparecer com muitos disfarces teriomórficos. Ele era estreitamente associado ao touro, talvez em decorrência dos poderes fálicos do touro, e também com a serpente; dizia-se, às vezes, que as serpentes estavam entrelaçadas em seu cabelo. Cérberos freqüentemente acompanhavam o deus em seus divertimentos, e ele era amiúde retratado como um leão cuja forma ele podia assumir a seu bel-prazer. Ele era especialmente associado ao bode, talvez por causa do seu jeito caprichoso (a palavra “capricho” deriva da palavra latina carper, bode (cabra); com efeito, seus seguidores celebravam uma espécie de comunhão com o deus no qual bebiam o sangue de bodes para assimilar o espírito do deus.
Dionísio é um deus paradoxal por excelência. Ele era uma divindade da turbulência, do abandono e da mais abençoada libertação com relação às muitas repressões da vida; não obstante, ele não era o deus da ilegalidade, pois ele tinha sua própria lei para a qual as pessoas eram atraídas, por mais estranha que essa lei possa parecer a partir de um ponto de vista convencional. Se Dionísio tivesse sido um deus da ilegalidade, ele talvez tivesse tido como um dos seus epítetos a palavra grega panourgos, palavra essa que significa literalmente “qualquer coisa serve” (e que aparece no Novo Testamento como uma das palavras para o mal indisciplinado). Entretanto, essa palavra não era associada a Dionísio; ao contrário, ele ensinava aos mortais que eles deveriam obedecer ao céu, honrar os deuses e seguir a trajetória da justiça (Eurípedes 1979a, 991 – 1015). Analogamente, embora um veemente vingador com relação a seus inimigos, ele não era uma divindade da guerra e sim da paz (419). E embora fosse o deus do vinho e do prazer embriagado, tampouco era o deus da embriaguez devassa, pelo menos não até que os romanos o assimilaram e ele começou a aparecer em formas degeneradas e se tornou conhecido com Baco.
Longe de ser um deus devasso, Dionísio era um deus com uma missão, missão essa que ele declarava “ser deus manifestado aos mortais” (Eurípedes 1979a, 22). Dionísio revelou o divino para a humanidade através de um musterion, um “mistério” no antigo sentido grego de um conhecimento secreto que só poderia ser conhecido se a pessoa passasse por uma experiência iniciatória. Esse musterion de Dionísio era tão profundo que ele importava o entendimento do próprio mistério da vida. Acima de tudo, Dionísio era o deus da mania, ou “loucura” – loucura essa tão estranha e maravilhosa que compreendê-la significava tanto o musterion do deus quanto o significado da própria vida. Antes que possamos supor que sabemos mais a respeito dessa estranha loucura de Dionísio, contudo, precisamos saber mais a respeito do deus propriamente dito: suas origens, suas inúmeras histórias e a natureza da sua atração para os antigos gregos.
O fato de Dionísio ter emergido na vida da Grécia depois, tanto das divindades matriarcais quanto dos deuses olimpianos, leva muitos especialistas a acreditar que suas origens não estavam na Grécia e sim em algum reino distante. Não existe, contudo, nenhum entendimento entre eles com relação ao local de onde o culto teria surgido. Alguns dizem que ele é originário da Frigia (Ásia Menor), onde o deus era associado à deusa mãe asiática Cibele, teoria essa apoiada por uma alusão aos ritos de mistério de Cibele na peça de Eurípedes sobre Dionísio, Os Bacanais. Outros, contudo, dizem que o culto de Dionísio é oriundo da própria Grécia, se bem que de regiões mais remotas. Do ponto de vista da nossa psicologia, a verdadeira origem de Dionísio repousa na camada arquetípica da psique humana da qual emerge a imaginação criativa subjacente a toda mitologia. A partir desse ponto de vista, Dionísio retrata uma parte integral da nossa vida psíquica inconscientemente, ele personifica e dramatiza uma energia profundamente implantada na nossa natureza humana, talvez em toda a vida. Desse modo, a partir dos lugares ocultos do coração humano, o deus anseia por se expressar – e oferece aos mortais seu tipo peculiar de liberdade (Eurípedes 1979a, 72–88).
Podemos especular que o culto de Dionísio explodiu no mundo antigo na ocasião em que o fez a fim de satisfazer uma necessidade psicológica e espiritual, talvez para compensar a tendência cultural emergente de se identificar excessivamente com o racional em detrimento das energias vitais do irracional, as únicas capazes de trazer liberdade à alma. Mas antes de podermos compreender a natureza dessa liberdade dionisíaca oferecida pelo deus, precisamos aprender mais sobre este mais paradoxal dos deuses que era chamado “um deus terrível, porém bondoso para a humanidade” (Eurípedes 1979a, 861).
Dizia-se que Dionísio havia sido concebido no útero da mulher mortal, Semele, filha do herói grego Cadmo, fundador da cidade de Tebas. A semente da qual Dionísio brotou, contudo, não era de um homem mortal, e sim de Zeus. A história conta que quando Hera, a mulher de Zeus, soube do caso amoroso entre Zeus e Semele, e ainda do de Semele ter concebido um filho dessa união, ficou tão furiosa que concebeu uma trama para destruir a mãe ofensora e seu filho que estava para nascer. Ela procurou alcançar seu intento persuadindo Semele a rezar para que Zeus aparecesse para ela em toda a sua divina glória. Semele então rezou, e Zeus relutante respondeu à sua súplica. No entanto, o esplendor desnudo do deus era tão grande que Semele foi esmagada pela visão e destruída pelo raio de Zeus. Ao contemplar a tragédia, Zeus precipitou-se do céu e arrancou a criança nascitura do útero de Semele; ele colocou então a criança na própria coxa, de onde, em seu devido tempo, nasceu Dionísio, um homem-deus, concebido no útero de uma mulher mortal, através do sêmen de um deus, e nascido da coxa de Zeus.
Poderíamos pensar que Hera teria ficado satisfeita com o castigo que impusera a Semele, mas segundo outra versão da história, na qual Semele não morre, Hera permaneceu de tal modo consumida pelo ciúme que levou Semele e o marido desta, Atamas, à loucura. Zeus confiou então o bebê Dionísio aos cuidados de ninfas que viviam em uma montanha tão remota que até hoje sua exata localização é desconhecida. Lá, as ninfas alimentaram a estranha criança com mel silvestre. Este detalhe é simbolicamente significativo, pois o mel é produto das abelhas, e, dentre todas as formas de vida, as abelhas são vistas como as mais femininas e matriarcais, visto que todos os machos são mortos ao nascer, exceto os poucos necessários para fertilizar a rainha. O fato de Dionísio ter sido alimentado com mel silvestre enfatiza a poderosa influência do feminino sobre ele desde seus primeiros dias de vida.
Quando Dionísio atingiu a idade adulta, ele começou suas andanças. Em uma das mais antigas histórias a respeito das suas aventuras, o errante Dionísio foi capturado por piratas e preso ao mastro do navio, mas quando este estava em alto mar, as cordas que prendiam o deus se soltaram como se por mágica, e uma videira cresceu misteriosamente em torno do mastro do navio. Dionísio então se transformou em um leão, que aterrorizou de tal modo os piratas que estes pularam no mar, onde foram transformados pelo deus em golfinhos.
Nessas histórias sobre o nascimento de Dioniso e a maneira impressionante pela qual o deus se viu livre dos piratas, podemos ver tanto a simpatia que as mulheres tinham por ele – exemplificada pela devoção que sua mãe, Semele, tinha por ele – quanto seu impressionante poder de mudar de aparência, aparecendo ora em uma forma ora em outra para despertar o assombro de seus seguidores e o medo no coração de seus inimigos.



Outra história que exemplifica os poderes mágicos do deus e seu amor pelas mulheres é encontrada na lenda de Teseu e Ariadne. Teseu foi o herói grego que libertou o povo ateniense da terrível tirania que lhes fora imposta por Minos, o Rei de Creta. Parece que Minos, cujo poder era intensamente temido em todo o mundo antigo da Hélade, impusera aos gregos um tributo anual de sete rapazes e sete moças, todos na flor da idade. Esses jovens eram levados para a ilha de Creta e colocados em um desnorteante labirinto habitado pelo monstruoso Minotauro, com a aparência de touro, que comia carne humana. O labirinto no qual vivia o terrível animal era de tal modo intrincado que ninguém que lá entrara jamais saíra. Encurralados dentro do serpejante labirinto de corredores, os rapazes e as moças eram logo destruídos pelo Minotauro quando ele vagava pelo dédalo em busca de vítimas.
Não obstante, em um determinado ano, as infelizes vítimas foram salvas por Teseu, que se ofereceu como voluntário quando chegou à época de pagar o tributo anual ao Rei Minos. A sorte determinou que quando as vítimas chegassem a Creta, a princesa da terra, Ariadne, contemplasse Teseu e se apaixonasse por ele. Quando as vítimas do sacrifício, inclusive Teseu, foram conduzidas ao labirinto, Ariadne (cujo nome é parecido com a palavra grega para aranha – araxne) entregou a Teseu um maravilhoso fio. Quando as vítimas foram levadas cada vez mais para o interior do labirinto, Teseu, seguindo as instruções de Ariadne, arrastou o fio atrás de si. Quando o Minotauro atacou as vítimas, o herói conseguiu destruir o monstro; depois com a ajuda do fio, ele conduziu os jovens para fora do labirinto e depois para a liberdade. Ariadne, cheia de amor por Teseu, alegremente deixou sua terra natal e fugiu com ele para a Grécia. No entanto, Teseu, deslealmente, abandonou sua benfeitora, largando-a em uma remota ilha deserta. Lá, exilada do reino do pai e abandonada pelo amado, Ariadne chorou sozinha até ser descoberta por Dionísio, que a amou, fez dela sua esposa e a levou embora em segurança.
A história do amor de Dionísio por Ariadne caracteriza o amor do deus pelas mulheres em geral, muitas das quais respondiam ao seu amor tornando-se seguidoras dedicadas. Essas seguidoras eram conhecidas com mênades (mainades), nome que significa “as mulheres loucas,” não porque fossem insanas, mas sim porque estavam repletas do deus e eram inspiradas por ele. Dionísio também era estreitamente associado a muitas divindades femininas, como as Cárites, com Afrodite e com as Musas, as divindades femininas da música, da canção, da dança e das artes, de cujo nome derivamos as palavras música e museu. Não há dúvida de que por causa da sua afinidade com as Musas, Dionísio se tornou mais tarde, em sua carreira, o patrono do teatro; com efeito, a memória do deus ainda é venerada hoje em dia por muitos atores e músicos.
Dionísio também era o deus do falo, e em procissões realizadas periodicamente em sua homenagem, seus seguidores carregavam imagens do falo. A associação entre Dionísio e o falo está não apenas relacionada com sua habilidade sexual, como também com a ligação do deus com a natureza. Dionísio é um deus que possui uma energia vitalizadora, e o falo é o poderoso instrumento que fertiliza o feminino e promove a vida. Dizia-se que onde quer que o deus fosse, as flores floresciam e o mundo se tornava verde e exuberante, pois a energia extática do deus é a própria energia da vida. Vemos aqui, também, a outra ligação entre Dionísio e Afrodite, chamada alhures nos textos clássicos de “Afrodite amante do membro.”


Dionísio também era estreitamente associado ao mais yin dos elementos: a água. O especialista em assuntos gregos Water F. Otto escreve o seguinte:

A água é o elemento no qual Dioniso está à vontade. Como ele, ela revela uma natureza dual: um lado luminoso, alegre e vital; e um lado sombrio, misterioso, perigoso e mortal... Dionísio vem da água e a ela retorna... ele tem seu lar e seu refugio nas profundezas aquosas. (Otto 1981).
          
Desse modo, Dionísio partilha da natureza tanto do vinho quanto da água; ele provoca a dissolução temporária do ego no sono, e através do vinho ele leva alegria à alma, mas ele também traz consigo muita coisa sombria, misteriosa e perigosa, bem com vital.
Um dos maiores dons de Dionísio era o conhecimento da fabricação de vinho, pois antes da vinda de Dioniso, os mortais não conheciam o segredo através do qual a uva podia ser levada a produzir seu curativo e intoxicante néctar. Dizia-se que a dádiva do vinho foi concedida aos mortais pelo deus por causa da agradável recepção que ele recebeu de Icário de Atenas. Em suas andanças pela terra, Dionísio era freqüentemente rejeitado, mas Icário o recebeu com hospitalidade, levou-o para casa, proveu a subsistência dele e, sem pensar em nenhuma recompensa, tratou-o com generosidade. Em agradecimento à bondade de Icário, Dionísio deu a ele o conhecimento da fabricação do vinho, e esse conhecimento logo se espalhou por toda a parte, levando a alegria do vinho para os corações extenuados com o sofrimento e os problemas da vida.
Entretanto, Dionísio não dava o vinho no espírito da embriaguez comum; esse era o trabalho de Baco, que, como já comentamos, era uma versão romanizada e degenerada de Dionísio. Este não era o deus da extinção da consciência que vivenciamos na embriaguez, e sim o deus da liberação do espírito e da animação da alma. Não obstante, se o poder do deus fosse absorvido irresponsavelmente, ele poderia ser perigoso, motivo pelo qual Dionísio era às vezes representado acompanhado pelos Silenos, seres paradoxais que eram ao mesmo tempo músicos consumados e sátiros embriagados. O vinho de Dionísio, contudo, geralmente não provocava o esquecimento da embriaguez; ao contrário, mitigava as lágrimas da humanidade e trazia alegria, um deus que embora pudesse ser ameaçadoramente destrutivo para seus inimigos, sentia uma profunda compaixão pelo sofrimento dos mortais. Dizia-se portanto que Dionísio era “o Senhor que chorava para mitigar as lágrimas dos mortais... para que a alegria de homens e mulheres flua a partir das lágrimas de um deus.”                    

Existem muitas outras histórias sobre o deus, inclusive um relato que diz que ele havia vagado pelo mundo, tendo chegado à Índia, e outro que conta como ele foi iniciado nos mistério de Réia, outra versão da antiga deusa mãe-Terra semelhante à Cibele. A história mais importante, contudo, é encontrada na peça de Eurípedes, Os Bacanais. Se alguém tivesse que escolher para estudo apenas uma dentre as várias histórias a respeito de Dionísio, esta peça de Eurípedes se destacaria claramente como a que deveria ser lida. Primeiro resumiremos a história que Eurípedes nos conta; depois, examinaremos seu significado.
Quando a história começa, Dionísio está viajando pelo mundo para ser conhecido, e seu caminho finalmente o leva a Tebas. Lá, ele é bem recebido por dois homens idosos, Tirésias, o vidente cego, e Cadmo, que quando jovem foi um famoso herói. No entanto, quando Penteu, rei da terra, ouve falar na chegado de Dionísio, rejeita tanto a pessoa dele quanto o fato de ele afirmar ser um deus; ele despreza o jeito feminino de Dionísio e planeja aprisioná-lo. Além disso, Penteu desdenha quase tudo a respeito de Dionísio, inclusive o cabelo dele, que ele chama de “tranças delicadas” que poderiam enfeitar uma mulher:
Os homens dizem que um estranho chegou à terra,
Um bruxo trampolineiro da terra da Lídia,
Com tranças douradas nos cabelos dourados e perfumados,
Animados com o vinho, nos olhos as graças sedutoras do amor,
Que faz amor dia e noite com as donzelas,
Fingindo conhecer os mistérios evianos.
Se dentro destas paredes eu pudesse aprisioná-lo,
Adeus ao tirso-tamborim, e às madeixas
Livremente sacudidas; pois seu pescoço deceparei
                                                (Eurípedes 1979a, 233-9)


No entanto, o velho e sábio Tirésias reconhece o esplendor e a autenticidade do novo deus, e lhe dá as boas vindas. Ele nota especialmente as duas grandes dádivas do vinho e do sono que Dioniso concedeu à humanidade. Tirésias e Cadmo homenageiam Dionísio, e vestindo trajes de pele de corça juntam-se à dança das mênades na procissão do deus.
Quando Penteu vê esses velhos participando da turbulenta marcha, ele zomba dos dois:
Mas vejam, outra surpresa – o vidente
Tirésias vestido com um traje de pele de corça!
...Uma visão engraçada! (248-51)

Tirésias não se deixa intimidar e responde ao rei:
Eu e Cadmo de quem tu ris e escarneces,
Poremos folhas de louro na cabeça, e dançaremos –
Um par de velhos de barba grisalha, mas que só podemos dançar. (322-4)

Logo se torna claro que Dionísio exerce uma atração especial sobre as mulheres, e que ele as está afastando de seus tranqüilos afazeres domésticos para que, através dele, elas possam vivenciar uma nova liberdade. A raiva que Penteu sente de Dionísio, por causa dessa aparente sedução das mulheres do reino, cresce; ele se queixa especialmente de que Dionísio “enlouquece as mulheres afastando-as do lar” (662). Justificadamente, Penteu teme estar perdendo o controle, pois inundadas pelo espírito do deus, as mulheres vivenciam uma nova liberdade; elas se entregam gloriosamente ao instinto. Intoxicadas pelo deus, elas o seguem para os lugares afastados da civilização, deixando pra trás a sóbria vida doméstica e a reclusão a que Penteu as sujeitara.
O contraste entre a atitude de Dionísio diante das mulheres e a do patriarcal Penteu é nitidamente traçado na peça de Eurípedes: enquanto Penteu desconfia das mulheres e tenta regular a vida e os amores delas, Dionísio permite, sem temor, que elas expressem a sexualidade e o amor à maneira delas:
Dionísio não imporá sobre as mulheres
A castidade: inata na verdadeira feminidade
Reside a temperança tocando para sempre todas as coisas.
Tu deves observar; pois nos ritos de Baco
Nada de mal acontecerá aos virtuosos de coração. (315-8)

Inevitavelmente, a tensão entre Dionísio e Penteu explode em conflito aberto. Penteu envia soldados para capturar Dionísio; eles o amarram fortemente e o atiram na prisão. Mas Dionísio facilmente se liberta de seus grilhões e provoca um terremoto que destrói a prisão e o palácio de Penteu.
Como devemos compreender o significado desse “mais estranho dos deuses”? O elemento chave repousa em sua loucura, mas precisaremos nos lembrar de que essa não é a loucura comum que conhecemos como insanidade. Trata-se, ao contrário, da divina loucura que os gregos chamavam de mania. Vivenciamos essa mania quando somos invadidos pelo espírito de um deus, ou seja, por um poder e inspiração que não derivam do ego, nem da mentalidade comum, e sim da esfera dos deuses. É dessa esfera que emerge a verdadeira criatividade.
Esta divina loucura é o segredo do “mistério” do deus. O “mistério” de Dionísio, que como qualquer “mistério” é uma experiência de poder na qual a pessoa precisa ser iniciada, trouxe um “novo impulso espiritual” à religião na Grécia e, conseqüentemente, à espiritualidade no mundo ocidental. Jane Harrison comenta que antes da chegada de Dionísio, a antiga religião era um do et dus; “Eu faço, e tu fazes.” Ou seja, o ser humano faz uma coisa para o deus, como oferecer um sacrifício, e o deus faz algo em troca para o ser humano (Harrison 1950). O novo espírito de Dionísio transcende essa estreita e arcaica interpretação do impulso religioso. Não se trata de uma questão de fazer algo para agradar, serenar ou adular uma divindade para que ela faça o que queremos; em vez disso, é uma questão de vivenciar a divindade dentro de nós mesmos.

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