terça-feira, 12 de agosto de 2014

A Rua Como Espaço Teatral I


A RUA COMO ESPAÇO TEATRAL I
O Espaço da Transgressão
Tradução de Jorge Valmini  
O DESENVOLVIMENTO DOS USOS DA RUA NA CIDADE OCIDENTAL 
           
            Para estudar o desenvolvimento da linguagem do teatro de rua como fenômeno marginal e transgressor por excelência, é necessário compreender o processo de transformação da rua como espaço cênico e as implicações sócio/culturais próprias deste espaço.
            Dentro do processo de desenvolvimento urbano da cidade ocidental, desde a Idade Média até nossos dias, as ruas tiveram diferentes usos. Nascidas como vias de trânsito dos habitantes da cidade, foram adquirindo diferentes funções, de acordo com as necessidades de seus usuários e com o ritmo de crescimento urbano.
            O espaço urbano, continente físico da vida da cidade, gera uma intrincada e complexa rede de vínculos e relações sociais. Este espaço urbano é segundo o geógrafo brasileiro Roberto Lobato Corrêa, “o reflexo do social às vezes é também condicionador da sociedade. Este condicionamento se dá através da relação que as formas espaciais cumprem na reprodução das condições da vida social. Portanto, o uso social da rua é parte deste fenômeno dialético: o desenvolvimento da morfologia da rua, está estreitamente vinculado com o repertório de usos a qual esta submetida a rua.
           
            O uso da rua nasce da atividade interativa dos habitantes da cidade e da identificação do contexto cultural de uma rua depende o conhecimento de uma seleção de usos da mesma. É dizer que, para analisar as características transgressoras do espetáculo teatral de rua em nossa sociedade é necessário atentar para uma compreensão do processo de formação da cultura do uso da rua, pois, a representação teatral de rua – como parte do repertório de usos – se desenvolveu dialeticamente com as transformações estruturais da cidade e de seu contexto sócio/cultural.
            Como o espaço urbano da cidade capitalista encontra, segundo diferentes historiadores do urbanismo, sua matriz original nas cidades medievais, a análise dos usos da rua na cidade capitalista exige um breve estudo do desenvolvimento histórico do espaço urbano da Idade Média e da Idade Moderna.

            A cidade medieval
            A RUA COMO ESPAÇO SAGRADO
           
            Uma das características fundamentais da CIDADE MEDIEVAL foi à existência de muralhas protetoras. Neste ambiente fechado a comunidade se organizava sob a influência e o controle da Igreja Católica; e isto se manteve assim durante grandes períodos históricos.
            A cidade medieval contou com mais espaços abertos utilizáveis do que qualquer das cidades que a sucederam. Está cidade tinha jardins e praças comunitárias que eram destinadas a diversos fins segundo a necessidade do momento. O intrincado traçado das ruas estava tão incorporado a vida dos habitantes e da comunidade que era completamente funcional e familiar.
            Nas amplas praças e nas estreitas ruas se realizavam os grandes eventos sociais. As procissões e as representações dos Mistérios, os acontecimentos de rua mais importantes do período, convocavam a totalidade dos habitantes da cidade. A rua adotava nestas manifestações a forma de um espaço consagrado, próprio para a realização dos rituais cristãos, e se confundia com o templo. Como disse o urbanista Lewis Mumford: “Com a presença de atividades práticas, a cidade medieval era, sobre todas as coisas, em sua vida atarefada e turbulenta, um cenário para as cerimônias da igreja”. O traçado e a dimensão das ruas consideravam o homem como a figura central do espaço, pois estas cidades estavam organizadas especialmente para o trânsito pedestres: suas medidas tinham como referencial o homem caminhante cotidiano. O indivíduo só ocupava um segundo plano quando a rua se transformava em cenário dos Mistérios e dos Milagres. Nestas ocasiões se organizava o deslocamento de grandes massas de pessoas que congestionavam as estreitas ruas, valorizando ainda mais o evento.
            A vida do medieval, impregnada de liturgia, apresentava por um lado uma face oculta: as atividades desenvolvidas no interior das casas e templos, que correspondiam aos pequenos círculos sociais e as relações familiares; e por outro lado, sua face visível, cuja a chave era “... o espetáculo em movimento ou a procissão; e acima de tudo, a grande procissão que dava voltas pelas ruas e praças antes de ir desembocar finalmente na igreja ou na catedral....
            A hierarquia católica – a instituição de maior importância nas atividades de rua – concentrava o poder sobre a realização de eventos cerimoniais. Sem dúvida, se destacava a atividade das corporações de ofícios que atuavam intensamente nas cerimônias religiosas, especialmente aquelas relacionadas com seus próprios patronos, as quais ocorriam ordenadas segundo sua hierarquia, respeitando os diferentes espaços correspondentes as outras corporações. As incipientes formas de governo municipal também intervinham no eventos.

Nenhum comentário:

A Festa do pequeno grande ser

  A Festa do pequeno grande ser Estreou em 14 de janeiro de 1990                Elenco na estreia: Alceu H. Homem, Leonilda Baldi, Jenic...