quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Fernando Peixoto UM TEATRO FORA DO EIXO

Fernando Peixoto
UM TEATRO FORA DO EIXO
  

Fernando Peixoto reúne neste livro, lançado em 1993, matérias publicadas em dois jornais: O Correio do Povo e Folha da Tarde entre 1953 e 1963. Em Porto Alegre Fernando Peixoto olha para o teatro no Rio Grande do Sul do Brasil e do mundo.     

A DESPEDIDA DE ABUJAMRA

         “Num balanço geral, o movimento de teatro amador de 1957 não foi dos mais animadores. Muito em quantidade, mas os resultados não foram muito consideráveis, salvo algumas poucas exceções.
         Os problemas são muitos, é natural, alguns diminuíram, outros apareceram ou aumentaram, e não há espaço para nos determos nisso. Boa parte poderia ser resolvida com um pouco mais de boa vontade e compreensão de muitos. Poderia haver união, não para formar um só conjunto mas para uma federação, capaz e realizadora, solução para muitos problemas coletivos. A FRAT até então existia mas não era nada. Com a posse do atual presidente, Sr. Jairo Juliano, a coisa melhorou e vai melhorar ainda. Algumas iniciativas foram realizadas, a exposição teve sucesso e foi a primeira coisa feita em conjunto visando uma aproximação maior do público.
Ainda prosseguem, já em menor número, os grupos menores, aqueles que insistem num repertório indigno de um teatro amador, fazendo teatro para passar tempo ou então com se organiza uma festa, alheios as responsabilidades e sem pensar nas conseqüências. É inadmissível que um grupo amador não tenha um repertório de classe, com peças escolhidas entre autores modernos e antigos, mas de categoria indiscutível. Não é possível continuar a perdoar os que estão de olhos vendados e não querem ou temem desvendá-los. São dedicados, boas pessoas, esforçam-se, mas não produzem nada nem vão produzir. Estão prejudicando os outros, afastando público ou mantendo uma pequena platéia dedicada na ignorância do que é teatro. E que fazer com os que apresentam peças de classe e não sabem como fazê-las, deturpando e prejudicando o autor? A escolha de repertório deste ano revelou desordem e desorientação. Alguns, depois de um bom texto, apresentavam um horrível. Outros, alheios às suas forças, lançavam-se a empresas arrojadas, peças para as quais estavam limitados por falta de elementos, financeiramente ou talvez mesmo intelectualmente. Restou o consolo de uns poucos que estão decididos a não ceder!
Continuamos sem uma escola de teatro. Esta falta traduz-se na prática na presença em nossos melhores conjuntos de elementos que não sabem caminhar, mover-se, gesticular ou falar em cena. Falta preparo físico e intelectual. Resta ler tudo sobre teatro (felizmente há muitos livros em espanhol, já que em português são poucos, tanto teóricos como textos), e continuar autodidata, como é praticamente toda a atual geração do teatro brasileiro. Ir praticando teatro, não em exercícios de escola, mas já diante de um público ávido e com a responsabilidade assustadora de criar uma personagem e defender a idéia de um ator. Isso deveria ser levado muito mais a sério.
Muitas experiências continuam sendo feitas para formar diretores. Alguns deram certo, outros não. Trazer profissionais para dirigir continua sendo uma necessidade e uma dificuldade, pois nem sempre as condições financeiras permitem. O teatro vai vivendo sem auxílio, e a renda da bilheteria (quantos convites, meu Deus, os amigos não querem pagar e levam vizinhos e parentes destes...) quase nunca cobre a despesa da montagem. O prejuízo é quase constante, na maior parte dos grupos.
No final de dezembro, o teatro gaúcho fica desfalcado de um de seus mais vibrantes e combativos animadores e artistas: Antonio Abujamra embarca definitivamente para São Paulo. No dia 26 publiquei uma rápida entrevista com ele, feita poucos minutos antes do embarque:
Vai embora mesmo?
A – Vou.           
Contente ou não?
A – Contente?...
Pretende voltar?
A – Claro que sim, mas não creio.
Tentará fazer teatro em São Paulo.
A – Penso não fazer. Mas dizer não para o teatro é difícil.
Em sua opinião, em que estado está o teatro amador gaúcho?
A – Procurando. Às vezes erradamente, às vezes não. Mas o mal é que os dirigentes não sabem escolher entre Joracy Camargo e Arthur Miller, então acabam levando Bloch... Eles confundem tudo.
Será que sai a escola de teatro na universidade?
A – Deve sair. Acho ótimo, claro.
O que fez de pior em Porto Alegre?
A – Meu coração balança... Laertes (Hamlet), Augusto (Uma mulher e três palhaços), Agazzi (Verdade de cada um)...
E de melhor?
A – Ator: Tom Wingfield; direção: À margem da vida e A cantora careca.
O que gostaria de ter feito?
A – Brecht, Arthur Miller e os gregos...
Vai continuar declamando?
A – Não enche, Fernando... (sic)
E os críticos de Porto Alegre?
A – Quais? Não existe nenhum trabalhando em jornal.
Deve-se continuar a trazer diretores do Rio, ou ficar só com os daqui?
A – O melhor é continuar a trazê-los, são necessários. Mas continuar sempre dando oportunidade aos daqui.
Acredita na possibilidade da união de todos os grupos ou ao menos dos melhores?
A – Só com um líder realmente ótimo que massacre este cabotinismo.
Prefere dirigir ou interpretar?
A – Ambos, e escrever também.
Diga alguma coisa sobre os novos autores do Brasil.
A – Uma barbaridade. Ainda titubeiam muito. Mas não se deve negar o valor a Jorge de Andrade, ao fenômeno popular Ariano Suassuna e... mais nada. Seria interessante que os poetas se jogassem para o teatro.
O que visa em teatro?
A – A Resposta é um mundo. Provavelmente humanizar.         
 


CHEGA RUGGERO JACOBBI: AULA INAUGURAL DO CAD
        
Ruggero Jacobbi chegou dia 14 de março, acompanhado da esposa, a atriz Daisy Santana. Foi recebido no aeroporto Salgado Filho pelo professor Luiz Pilla, da Faculdade de Filosofia, pelo professor João Francisco Ferreira, o escritor Paulo Hecker Filho, o casal Menna Barreto, dois representantes do Teatro Universitário (Linneu Dias e Marcello Bittencourt) e pela reportagem da Folha da Tarde.
Na edição de 26 de março, a minha manchete é: Abertas as inscrições para o curso de teatro da URGS. São anunciados dois cursos: o Curso de Arte Dramática e o Curso de Cultura Teatral. O primeiro, com trinta vagas, para a formação de atores, requerendo um exame de admissão de caráter vocacional; o segundo, dirigindo-se a todos os interessados em adquirir um conhecimento da arte teatral como leitores ou espectadores, dispondo de 120 vagas.
Numa entrevista, publicada em 1º de abril de 1958, revela-se a biografia de Ruggero: começou em jornalismo com 16 anos, adquiriu prestigio como critico literário, apaixonou-se pelo cinema, escreveu argumentos e roteiros, foi assistente de direção de filmes e dirigiu documentários de arte na Itália. Em teatro começou dirigindo o Teatro Universitário de Roma e tinha como atrizes/alunas, entre outras, Anna Proclema e Giuletta Masina. Auton G. Bragaglia convidou-o para ser assistente de direção do Teatro das Artes, onde começou sua carreira de encenador. A classe teatral italiana escolheu e elegeu os três diretores da primeira companhia oficial organizada depois do fascismo: Luchino Visconti, Victor Pandolfi e Ruggero Jacobbi. Participou ainda da organização do Piccolo Teatro de Milão, e, em fins de 1946, foi convidado para dirigir um elenco italiano que viria ao Brasil. Seu assistente de direção era o jovem Alberto D’Aversa, agora em 1958 diretor artístico do Teatro Brasileiro de Comédia em São Paulo. Ruggero veio ao Brasil. E ficou. Foi, entre os encenadores italianos que trabalharam entre nós, o que mais influenciou o surgimento de um processo teatral nacional efetivamente identificado com nossas raízes populares e progressistas. Incansável batalhador do campo das idéias e da política, participou da fundação do Teatro de Arena e São Paulo, empenhou-se na batalha por uma dramaturgia nacional e para abrir espaço para os encenadores brasileiros, com uma lucidez crítica permanente, dinâmica e instigante, uma generosidade estimulante, uma capacidade espantosa de despertar o entusiasmo pelo trabalho criativo permanente, tornando-se pouco a pouco um dos mais profundos conhecedores do processo cultural nacional e integrando-se ao mesmo, a partir de uma postura marxista, como companheiro e amigo de todos os que se entregaram à luta cotidiana por uma sociedade culturalmente livre e soberana.
Mais de sessenta candidatos se apresentaram para os exames de admissão no Curso de Arte Dramática. A escolha da primeira turma provocará uma inevitável contradição: serão desmembrados os principais grupos de teatro amador da cidade, que perderão seus principais elementos e muitos seus líderes, o que provocará o fim de alguns, assim como um irrecusável estagnação de parte significativa da produção local. O preço do avanço. A aula inaugural do CAD e do Curso de Estudos Teatrais, documento da espantosa lucidez crítica de Ruggero Jacobbi, pronunciada dia 10 de abril de 1958 na Faculdade de Filosofia, intitulada “Introdução à poética do espetáculo”, marca o início do ensino de teatro na Universidade do Rio Grande do Sul.

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