Texto para estudo Os neoliberais Teatro e dramaturgia
Conheci o texto “Os neoliberais” em 2.000. Já na primeira leitura veio a mente a questão: forma dramática ou forma épica? Vou usar as indicações através das quais Brecht compara a forma dramática e forma épica de teatro:
Forma
dramática Forma épica
1
Realiza-se através da ação (...) narração
2 Envolve o espectador Torna o espectador em observador
3 Gasta-lhe a atividade Desperta a sua atividade
4
Possibilita-lhe emoções Força-o a tomar decisões
5
Dá-lhe vivência. Dá-lhe uma concepção do mundo.
10
O homem é pressuposto como conhecido O Homem é objeto de pesquisa
19 Emoção Raciocínio
A lista de indicações é maior. Estas servem como
exercício para uma primeira e rápida leitura. Em breve volto ao tema com novas
abordagens. E leituras dramáticas. Segue então o texto do Lobo. Outros podem
ser encontrados em http://www.olobo.net/
Antonio – O senhor mandou me chamar, doutor Rocha?
Dr. Rocha – Mandei, Antonio. Infelizmente, devido à crise do
mercado, muito a contragosto, terei de demiti-lo.
Antonio – Doutor Rocha, eu estou no meio de um trabalho. Será
que não poderíamos conversar sobre isso na hora do almoço?
Dr. Rocha – É claro que podemos, mas infelizmente nada do que
você disser poderá modificar a situação.
Na hora do almoço, Antonio estava novamente na
frente do dr. Rocha.
Antonio – Doutor Rocha, como trabalho aqui há mais de oito
anos, tenho mais de 50...
Dr. Rocha – Você não é o único, Antonio, a situação está ruim
para todos.
Antonio – O senhor não entendeu, doutor Rocha. Quis dizer que
pelos anos de dedicação à firma, achava que tinha direito a lhe fazer algumas
perguntas.
Dr. Rocha – Pois faça-as.
Antonio – O senhor gosta de coisas singelas como flores,
pássaros, o orvalho nas plantas, riso de crianças pequenas? (Antes que o
patrão pudesse responder, Antonio continuou.) Gosta de fazer amor com uma
bela mulher, de cavalos correndo no prado, de ver o nascer do sol, de olhar
para as estrelas?
Dr.
Rocha – Claro
que gosto, Antonio, só não estou entendendo...
Antonio
– Só mais
uma pergunta.
Dr.
Rocha – Está
bem, mas seja breve, pois tenho uma reunião de diretoria e ainda preciso
examinar alguns papeis.
Antonio
– O senhor
acredita em Deus, doutor Rocha?
Dr.
Rocha – Claro
que acredito.
Antonio
– Pois está
na frente dele.
Dr.
Rocha – Você
enlouqueceu, Antonio?
Antonio
– Não
enlouqueci, não. Até duas horas atrás eu não era Deus. Era apenas Antonio
Pinto, contador, casado, mulher e quatro filhos, um deles autista, com dividas
para pagar e muito medo de perder o emprego, pois dificilmente encontraria
outro depois dos 50 anos. Aí, quando saí do seu escritório, fui até em casa,
peguei este revolver e me transformei em Deus. (Neste momento, Antonio tirou
do bolso um Smith&Weston calibre 38 e apontou-o para a testa do dr. Rocha).
O senhor é um dos homens mais ricos de São Paulo, tem mulher, amantes, viaja
varias vezes ao ano á Europa, uma vida muito boa. Já minha é triste e monótona.
Lembra-se daquela história de estrelas, nascer do sol, flores e pássaros? (O
dr. Rocha, mudo de terror, olha para o revolver). Será que vale a pena
perder a sua vida para me desempregar? Pense bem, se eu morrer, não perco nada.
Se o senhor morrer, perde tudo. E quem vai decidir isso sou eu, pois virei
Deus. (O doutor Rocha ajoelha-se diante de Antonio.)
Dr.
Rocha – Não
faça uma loucura dessas, seu Antonio. Diga o que o senhor quer que terei o
maior prazer em atendê-lo, o que quiser. Por favor, tenha piedade. Diga o que
quer!
Antonio
– Gostaria
de deixar de ser Deus e voltar a ser o seu escravo. Que tal? Posso?
Fausto
Wolff, pseudônimo de Faustin von Wolffenbüttel Santo Ângelo, 8 de julho de
1940, Rio de Janeiro, 5 de setembro de 2008 jornalista e escritor.
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