quinta-feira, 15 de maio de 2014

Texto para estudo Os neoliberais dramaturgia e teatro




Texto para estudo Os neoliberais Teatro e dramaturgia 

 Conheci o texto “Os neoliberais” em 2.000. Já na primeira leitura veio a mente a questão: forma dramática ou forma épica? Vou usar as indicações através das quais Brecht compara a forma dramática e forma épica de teatro:





         Forma dramática                                      Forma épica
1 Realiza-se através da ação                               (...) narração
2 Envolve o espectador                                       Torna  o espectador em observador
3 Gasta-lhe a atividade                                     Desperta a sua atividade
4 Possibilita-lhe emoções                                    Força-o a tomar decisões
5 Dá-lhe vivência.                                               Dá-lhe uma concepção do mundo.
10 O homem é pressuposto como conhecido      O Homem é objeto de pesquisa
19 Emoção                                                            Raciocínio

A lista de indicações é maior. Estas servem como exercício para uma primeira e rápida leitura. Em breve volto ao tema com novas abordagens. E leituras dramáticas. Segue então o texto do Lobo. Outros podem ser encontrados em http://www.olobo.net/
 




Antonio – O senhor mandou me chamar, doutor Rocha?

Dr. Rocha – Mandei, Antonio. Infelizmente, devido à crise do mercado, muito a contragosto, terei de demiti-lo.

Antonio – Doutor Rocha, eu estou no meio de um trabalho. Será que não poderíamos conversar sobre isso na hora do almoço?

Dr. Rocha – É claro que podemos, mas infelizmente nada do que você disser poderá modificar a situação.
Na hora do almoço, Antonio estava novamente na frente do dr. Rocha.

Antonio – Doutor Rocha, como trabalho aqui há mais de oito anos, tenho mais de 50...

Dr. Rocha – Você não é o único, Antonio, a situação está ruim para todos.

Antonio – O senhor não entendeu, doutor Rocha. Quis dizer que pelos anos de dedicação à firma, achava que tinha direito a lhe fazer algumas perguntas.

Dr. Rocha – Pois faça-as.

Antonio – O senhor gosta de coisas singelas como flores, pássaros, o orvalho nas plantas, riso de crianças pequenas? (Antes que o patrão pudesse responder, Antonio continuou.) Gosta de fazer amor com uma bela mulher, de cavalos correndo no prado, de ver o nascer do sol, de olhar para as estrelas?

Dr. Rocha – Claro que gosto, Antonio, só não estou entendendo...

Antonio – Só mais uma pergunta.

Dr. Rocha – Está bem, mas seja breve, pois tenho uma reunião de diretoria e ainda preciso examinar alguns papeis.

Antonio – O senhor acredita em Deus, doutor Rocha?

Dr. Rocha – Claro que acredito.

Antonio – Pois está na frente dele.

Dr. Rocha – Você enlouqueceu, Antonio?

Antonio – Não enlouqueci, não. Até duas horas atrás eu não era Deus. Era apenas Antonio Pinto, contador, casado, mulher e quatro filhos, um deles autista, com dividas para pagar e muito medo de perder o emprego, pois dificilmente encontraria outro depois dos 50 anos. Aí, quando saí do seu escritório, fui até em casa, peguei este revolver e me transformei em Deus. (Neste momento, Antonio tirou do bolso um Smith&Weston calibre 38 e apontou-o para a testa do dr. Rocha). O senhor é um dos homens mais ricos de São Paulo, tem mulher, amantes, viaja varias vezes ao ano á Europa, uma vida muito boa. Já minha é triste e monótona. Lembra-se daquela história de estrelas, nascer do sol, flores e pássaros? (O dr. Rocha, mudo de terror, olha para o revolver). Será que vale a pena perder a sua vida para me desempregar? Pense bem, se eu morrer, não perco nada. Se o senhor morrer, perde tudo. E quem vai decidir isso sou eu, pois virei Deus. (O doutor Rocha ajoelha-se diante de Antonio.)

Dr. Rocha – Não faça uma loucura dessas, seu Antonio. Diga o que o senhor quer que terei o maior prazer em atendê-lo, o que quiser. Por favor, tenha piedade. Diga o que quer!

Antonio – Gostaria de deixar de ser Deus e voltar a ser o seu escravo. Que tal? Posso?




Fausto Wolff, pseudônimo de Faustin von Wolffenbüttel Santo Ângelo, 8 de julho de 1940, Rio de Janeiro, 5 de setembro de 2008 jornalista e escritor.

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