segunda-feira, 29 de novembro de 2010

ARTE SEM LONA


Minha relação com o “circo” começou na infância. Na década de 70, morador do bairro Santa Catarina freqüentava o São José onde normalmente as tendas eram montadas. Somava-se a magia do circo a emoção de entrar sem pagar. Éramos “furões”: passávamos por baixo da lona. Os “trabalhadores” do circo viam nossa entrada ilícita, e faziam de conta que não para manter o encantamento. Sentíamo-nos o máximo. Em 1977 com doze anos tive de aposentar minha carreira de “furão”, o tamanho do corpo denunciava a idade.
A partir das investigações teatrais no início dos 90 estabeleço uma nova relação com as práticas circenses. No fazer teatral várias técnicas circenses (acrobacia solo, palhaço, magia), são abordadas para compreender estilos e melhorar o desempenho do ator.
Confesso que nunca quis fazer parte num circo tradicional. Porem com o surgimento do “novo circo” ou “nova escola” oficializada na França com a criação dos cursos acadêmicos está legitimado! Posso “ser” do circo sem ter nascido numa família circense.
Tenho então por força das escolhas presenciado ações e transformações nos espaços de formação e de produção da cena em Caxias do Sul. Mais grupos e profissionais utilizando técnicas e linguagens circenses. Estes profissionais multiplicando essas técnicas e linguagens nos ambientes escolares, de formação e capacitação.
A cidade habitada por artistas aposentados do circo tradicional. Passa de oficinas de curto prazo para cursos e programas de longa duração como o projeto Cidadão Século XXI promovido pela UCS. Projeto que possibilitou a vinda da Escola Nacional de Circo para Caxias. E que permite o dialogo e a troca com atores do teatro.
Em 2008 a RECRIA: Rede de Proteção a Criança e Adolescente adota o circo como ferramenta de formação e capacitação. Doze das vinte e seis entidades participantes começam a realizar oficinas de técnicas circenses.
Em 2009 os arte/educadores: Jander Bender, eu, Jorge Valmini, Juliana Fontoura, Nilcéia Kremer e Ramon Ortiz formam um grupo de trabalho e estudo das pedagogias aplicadas nas oficinas promovidas pela RECRIA. Em novembro o grupo passa a se identificar como: arte sem lona.
Em 2010 inserem-se ao Arte Sem Lona, jovens vindos de diferentes Centros Educativos. Objetivo: formação de novas lideranças e multiplicação de práticas pedagógicas.
Noutra face de acontecimentos entre 08 a 11 de abril de 2010, Caxias do Sul é palco da primeira edição do Encontro Estadual de Palhaços (EEPA!). Realizado pelo Centro de Cultura Dr. Henrique Ordovás Filho e pela Sala de Ensaio Centro Cultural.
Com o patrocínio de empresas locais através da lei municipal de incentivo a cultura o encontro promoveu a discussão sobre a profissão do palhaço além de envolver a comunidade em torno dos espetáculos através da diversão e reflexão. Acompanhei o encontro em algumas atividades. No palco aberto presenciei um rico aprendizado. Aqui meu elogio aos participantes. Jovens que humildes celebraram homenagem aos mais velhos. Atores da nova escola que reconhecem e respeitam a tradição. Em resposta o Palhaço Pirilampo representando a família circense agradece o tributo e exalta os jovens palhaços e a nova escola do circo. Por alguns instantes as memórias do passado se conectam com os sonhos do futuro ligados pelos corações presentes. Fico emocionado.
E em mais um momento dessa caminhada nos dias 26 e 27 de agosto, para refletir sobre a inclusão sócio-cultural bem como capacitar profissionais que atuam nos programas do projeto a RECRIA realiza o Seminário O Circo e o Teatro na Arte Educação.
Sim existem dificuldades, mas aqui conscientemente faço elogio à perseverança, a dedicação, ao amor. Parabéns àqueles que acreditam. Gestores, educadores, artistas, empresários as boas ações frutificam e como diz a canção “vamos lá fazer o que será!”

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

GENTE EM CENA




Gente em cena

Este texto foi escrito e publicado na revista com o nome de “Projeto GentEncena, grupos comunitários de teatro, em dezembro de 2004 quando completava oito anos de existência.
Como é fazer teatro em Caxias do Sul? Cidade ocidental, capitalista, grego-cristã. Que pessoas fazem teatro e de que maneira se organizam? Qual é o papel do artista numa cidade jovem (94 anos de emancipação política), e voltada à “cultura do trabalho”? No contexto contemporâneo o capitalismo transforma tudo em mercadoria antes mesmo de estar pronto. E a sociedade se satisfaz com a versão simplória de que tudo é arte.
A Associação Caxiense de Teatro – ACAT – nasceu, em julho de 1989, com o objetivo de desenvolver o teatro e defender os interesses de seus associados.
Sem “escolas” de teatro como surgiram os grupos? Acredito que por não haver formação acadêmica assim como o fato de não existir (ou serem insuficientes na época as), políticas públicas para as manifestações artísticas foi que determinou a auto-organização dos “teatreiros”. A necessidade transformou a cena caxiense.
Em 1997, com a Frente Popular assumindo a administração do município, inicia-se uma nova fase com a criação da Secretaria Municipal da Cultura. Assim o desejo ver o teatro acontecendo em toda a cidade toma uma nova dimensão. Sabíamos que para o teatro crescer e se desenvolver era necessário que mais pessoas se apropriassem da linguagem. Mas como fazer? Aonde fazer? Para quem? Existe tradição? Qual?
Estas são algumas reflexões que norteiam as ações dentro do projeto. O objetivo é: “fazer” teatro nas diversas regiões da cidade. Com poucos recursos em 97, o GentEncena inicia em vários bairros, ações para formar grupos teatrais autônomos e inseridos em suas comunidades. Em 1998, amparado por lei o projeto ganha força e recursos. E agora novas considerações sobre a identidade cultural desses agentes, já que estamos interagindo em novos contextos. Precisamos então respeitar suas particularidades.

O sociólogo Stuart Hall afirma que: A identidade preenche o espaço entre o “interior” e o “exterior” - entre o mundo pessoal e o mundo público de que projetamos a “nós próprios” nessas identidades culturais, ao mesmo tempo em que internalizamos seus significados e valores, tornado-a “parte de nós”, contribui para alinhar nossos sentimentos subjetivos com os lugares objetivos que ocupamos no mundo social e cultural. A identidade então costura (ou, para uma metáfora médica, “sutura”) o sujeito à estrutura. Estabiliza tanto os sujeitos quanto os mundos culturais que eles habitam, tornando ambos reciprocamente mais unificados e pré-dizíveis (HALL 1992, p 11 - 12).
E nas palavras de Samantha de Oliveira: É importante abrir reflexões sobre o papel do artista, uma vez que este poderia ocupar o lugar de um sujeito que exercita e desenvolve ao máximo seu senso crítico e talvez um dos exercícios seja justamente “estar na busca do novo”, buscá-lo faz parte da não instalação na hegemonia. Fazer a crítica é também uma forma e, que por sua vez, torna-se uma possibilidade de resistir ao capitalismo. Esses são exercícios difíceis, pertencentes a uma árdua tarefa que cabe aos artistas e intelectuais, ou ainda melhor a todo cidadão responsável. Afinal não se pode pensar que o estado caótico no qual a sociedade está imersa, construiu-se e organizou-se do acaso.
Há muitas maneiras de agrupar-se para fazer teatro. Agimos para a formação do Grupo. Queremos um espaço onde as pessoas além do espetáculo possam construir o humano. Criando um espaço não só para incorporar técnicas e nem só para criar espetáculos. Mas um espaço onde a formação do ator de diversas formas é o lugar de liberdade para o aprendizado.
Teatro de grupo é estabilidade de elenco, é treinamento autoral, é a montagem do espetáculo, mas é também um lugar de confronto e o desenvolvimento de ética e estética. Este é o GentEncena! É este o teatro em que acreditamos! É por ele que lutamos!

Jorge Valmini - Coordenador

terça-feira, 16 de novembro de 2010

A Aposentadoria do Ator


A APOSENTADORIA DO ATOR

Tenho me preparado para escrever este texto nos últimos meses. O curioso é observar que no momento de redigi-lo os franceses protestam violentamente contra a reforma previdenciária que altera de 60 para 62 a idade para aposentar-se. A minha aposentadoria enquanto ator será em dezembro de 2030. Precisamente no solstício de verão. Estarei na ocasião com mais de 64 anos de idade. Não sou francês e o foco aqui não são as perdas dos direitos sociais e trabalhistas. Igual a qualquer trabalhador o objetivo é encerrar o ciclo da atividade.
Comecei o oficio de ator de teatro em março de 1983. Nesta ocasião fazendo teatro amador formulei a pergunta que me acompanhou sem reposta por duas décadas. Na literatura e teoria estava acompanhado de Augusto Boal e Bertolt Brecht. A pergunta: Qual é a forma? Era feita e testada a cada nova montagem. Em cada ensaio. Em cada exercício. Em todas as leituras e discussões. Muitos erros poucos acertos. Em 1992, já profissionalizado há dois anos, estava em crise! Só eu me perguntava? Só eu era louco? Só eu queria mais? Claro que não! Exagero da minha parte. Agora o tormento era maior. Lendo o Teatro e seu duplo de A. Artaud e Em busca de um teatro pobre de J. Grotowisk descobri a crueldade do ator santo.
Quanto mais aprendia na teoria, menos resultava na prática. Não me agradava os resultados parciais. Enquanto meus colegas divertiam-se eu angustiava. O alivio veio da viagem ao Paraná para assistir ao Festival Internacional de Londrina. A presença de mestres como Kazuo Ohno e Antunes Filho ou as apresentações de grupos como Odin Teatret da Dinamarca ou o Studio Five of Moscow não trouxeram a resposta. Em verdade sugiram mais perguntas, só que com elas vieram novo animo, nova energia. A angústia cede lugar a muito trabalho, novos projetos. Personagem sujeito? Ou personagem objeto? Dramaturgia Aristotélica ou Brechtiniana? Alguns acertos. Mais erros.
Em 2003, vinte anos depois, com a ajuda da filosofia, com Gerd Bornheim finalmente a reposta. Nem sujeito nem objeto. Não o mundo ou eu. E sim eu e o mundo. O que procurava G. Bornheim define como “vasos comunicantes”. As “vias” entre o eu o e o objeto. Entendido o caminho, falta caminhar. Batizei esta jornada de A ARQUITETURA DO MOVIMENTO. Será o movimento da caminhada. Será o movimento dos diferentes elementos que compõem a carpintaria teatral. Texto, cenário, figurino, texturas, sons, cores, intenções, mas principalmente do “corpo em cena”. O ator enquanto matéria e energia.
Diferentes montagens vão “pavimentar” a estrada da aposentadoria. Teatro de Bonecos, de Sombras e Objetos, de Rua, de Sala, de Arena. Instalação e performance.
A despedida da cena e da platéia será com o espetáculo: DISCÍPULO. O texto e a direção de minha autoria. Vamos experimentar “espectadores” e “ator” uma relação de 13 horas de duração. É a simbologia dos números. Uma apresentação por semana durante 13 semanas. Um ator e 12 espectadores. Se todos os ingressos forem vendidos vão ser 156 pessoas testemunhando o evento. Metade homens a outra mulheres. Em cada apresentação uma “Eva” e um “Adão” serão escolhidos para participarem do último ato da peça. Teremos vivido então uma experiência teatral num giro de 24 horas. Um dia. A criação. A invenção de um dia. De cada detalhe desse dia. O ato de viver um dia conscientemente planejado. Assim poderei saber se os “vasos comunicantes” funcionam e o ator Jorge Valmini estará aposentado.

A Festa do pequeno grande ser

  A Festa do pequeno grande ser Estreou em 14 de janeiro de 1990                Elenco na estreia: Alceu H. Homem, Leonilda Baldi, Jenic...